Olá aluno-ouvinte, hoje é dia de homenagem. Vou falar sobre uma personalidade muito importante que deixou um legado riquíssimo para a cultura brasileira.
Ele é chamado de “O Filósofo do Samba” devido a originalidade e particularidade dos seus sambas, pois suas letras são densas reflexões sobre a sociedade, identidade nacional, o amor à vida e às mulheres. Em 7 anos, ele compôs quase 300 músicas e é o ícone do bairro Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Você sabe de quem eu estou falando?
Esse ilustre personagem se chama Noel de Medeiros Rosa. Ele foi cantor, compositor, violonista, intérprete, bandolinista e um dos maiores e mais importantes artistas da música brasileira.
Noel nasceu no Rio de Janeiro em 11 de dezembro de 1910, na Vila Isabel, um bairro de classe média e que posteriormente se tornou famoso por causa de suas músicas.
No dia do seu nascimento, usaram um fórceps para auxiliar no difícil trabalho de parto, em decorrência disso, ele sofreu uma quebra e um afundamento no maxilar direito, ficando quase sem queixo, o que gerou problemas permanentes na sua vida.
Noel fez duas cirurgias corretivas na face, mas os resultados não foram satisfatórios por causa dos limitados recursos da ortopedia na época e por isso, costumava se alimentar de sopas, purês, mingaus, caldos e ovos cozidos.
Noel foi alfabetizado pela própria mãe que era professora e aprendeu a tocar bandolim com ela, e com o pai, ele aprendeu a tocar violão. Na infância, ele recebeu dos colegas de escola o apelido de “Queixinho”, mas isso não foi suficiente para torná-lo uma pessoa reclusa. Noel fazia ironias com a própria condição física, dizendo: “Pelo menos eu não tenho do que me queixar”. Ele costumava dizer que o problema no queixo era um carimbo que ele recebeu na hora do parto.
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Dizem que aos 13 anos, já fazia versos bonitos e surpreendentes para alguém de tão pouca idade. Aos 14 anos, gostava de brincadeiras maliciosas, zombarias e sentia-se à vontade para conversar com homens mais velhos. Essa maturidade precoce fez Noel se envolver muito cedo com mulheres, cigarro e bebida.
Noel era muito apegado ao pai e sentia um pouco de culpa por ter nascido com o problema no maxilar, afinal se não fosse o custo das duas cirurgias corretivas na face, talvez o pai dele não precisasse trabalhar tanto. Na tentativa de diminuir a tristeza causada pela ausência do pai, ele passava muito tempo dedilhando o violão e compondo versos que seriam inesquecíveis.
Sua vida artística inicia em 1929, quando entra no grupo Flor do Tempo, posteriormente chamado Bando dos Tangarás. No mesmo período começa a fazer serenatas e escreve a letra de Queixumes em parceria com Henrique Brito.
Noel frequentava os subúrbios e as favelas do Rio de Janeiro, consumia muito álcool, cigarros, envolvia-se com prostitutas e cantores da noite. Ele conhecia como ninguém o espírito carioca e aprendeu até capoeira, pois um sujeito fraco, pequeno e magrelo como ele, tinha que saber se defender. Ele era um grande frequentador da vida noturna de Vila Isabel e da Lapa, e foi nas mesas dos bares e cabarés que compôs muitos dos seus sambas.
De acordo com Filho (1982), autor que destaca os testemunhos do sambista em sua obra “Noel Rosa”, Noel compôs em 1930, um dos seus maiores sucessos “Com que Roupa?”. A composição teria sido feita quando Noel percebeu que não tinha roupas para ir a uma festa com os amigos, pois a mãe de Noel, que estava preocupada com sua saúde frágil, tinha escondido todas as suas roupas para que ele não saísse de casa.
Vou cantar um trechinho pra você:
(…) Pois esta vida não está sopa e eu pergunto:
com que roupa? Com que roupa eu vou pro samba que você me convidou?
Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou? (…)
Nesse mesmo ano, Noel entrou na faculdade de medicina, a pedido dos pais, mas abandona o curso no ano seguinte, pois a carreira artística em ascensão era incompatível com a vida de estudante:
“Eu devia continuar com o samba, deixando a Medicina? Ou devia renunciar ao samba? Era uma alternativa dramática. Outra questão se apresentou aos meus olhos: Qual era o destino mais coerente com minha natureza, com minhas aptidões natas? O de criador de ritmos ou o de médico? Colocados na contingência de optar, uma vez que as duas atividades não podiam ser conciliadas, escolhi o samba”.
Em 1931, seu samba “Com que Roupa? e Eu vou pra Vila são cantados e assoviados nas ruas de Vila Isabel e até de Copacabana. Após esses sucessos, Noel começa a ser procurado por editores, cantores e gente importante das rádios cariocas.
Vivendo na “Era de Ouro” da música popular brasileira, Noel se tornou parceiro de vários artistas da música popular brasileira na época. Foi um fenômeno de pioneirismo, talento e capacidade de produção pois compôs quase 300 músicas em 7 anos de trabalho.
Segundo os artistas da época, Noel era o melhor intérprete de suas canções, possuía um senso incomum de ritmo e cadência do samba e as letras de suas músicas eram de uma maturidade impensável para um rapaz de tão pouca idade. Um exemplo disso é canção “Onde está a honestidade?”, samba que faz referência as fraudes e falcatruas dos políticos em 1933, totalmente atual.
Você tem palacete reluzente
Tem joias e criados à vontade
Sem ter nenhuma herança nem parente
Só anda de automóvel na cidade
E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade?
Onde está a honestidade?
Crítica social, ironia, irreverência, elegância e humor são características presentes em suas composições. Noel dizia que fazia seus sambas com situações, emoções e episódios da vida real e só fazia samba quando inspirado. Não forçava, pois o samba tinha que nascer naturalmente.
Noel atribuiu grande relevância à vida, ao desejo de viver sem preocupação com o amanhã, amava o Rio de janeiro e principalmente seu bairro, a Vila Isabel. Chegou a dizer que o samba tinha um único sinônimo: Mulher, Noel era um verdadeiro apreciador da beleza feminina.
Entre 1934 e 1935, embora continuasse fazendo sucesso com suas composições, a sua vida pessoal não estava bem: o problema no maxilar afetava cada vez mais seus dentes; descobriu que estava com tuberculose; casou-se sem amor com Lindaura Martins e não vivia com a mulher que amava, Ceci, uma prostituta que jamais seria aceita pela família.
E para trazer ainda mais amargura para sua vida, seu pai se suicidou, após vários meses internado num sanatório. Tudo isso contribuiu para que a sua última fase de produção tenha sido marcada por uma ironia filosófica e amarga.
Nos anos seguintes, ele continua compondo ao mesmo tempo que viaja para tratamento da saúde a pedido do médico. Mas volta para casa e diz ao seu médico que prefere viver apenas 2 anos no Rio de Janeiro, do jeito que bem entender, a ter que viver 20 anos em qualquer outro lugar.
Apesar de estar casado, Noel vivia como solteiro e na mesma boemia de antes, gastando todo o dinheiro que entrava no bolso sem se importar com o dia seguinte. No samba “Fita Amarela”, Noel debocha da sua condição de doente e futura morte com uma letra elegante e irônica, transmitindo uma mensagem universal. A canção é uma carta de recomendação que devia ser seguida por seus amigos na hora de sua partida.
(…)
Quando eu morrer,
Não quero choro nem vela,
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela.
Se existe alma
Se há outra encarnação
Eu queria que a mulata
Sapateasse no meu caixão
Não quero flores
Nem coroa com espinho
Só quero choro de flauta
Violão e cavaquinho
(…)
Meus inimigos
Que hoje falam mal de mim,
Vão dizer que nunca viram
Uma pessoa tão boa assim.
De todas as músicas de Noel, essa é a minha preferida. Ah, Noel era uma figura! Um cara de muito talento, que deixou seu nome na história da cultura brasileira.
Não é a toa que ele é sempre lembrado e homenageado. Em 1965, nas comemorações do IV Centenário da cidade do Rio de Janeiro, as calçadas do Boulevard 28 de Setembro foram decoradas com pedras portuguesas desenhando partituras de músicas de grandes compositores da Música Popular Brasileira, e é claro que uma composição de Noel está lá.
Na entrada deste mesmo Boulevard, há uma escultura feita de bronze em tamanho real ao do sambista e na mesa está escrita a letra da música “Conversa de Botequim”, um dos seus grandes sucessos.
Noel Rosa morreu em 4 de maio de 1937 com 26 anos de idade na mesma casa em que nasceu e segundo contam, seu enterro foi apoteótico.
Apesar de ter morrido cedo, ele viveu intensamente e deixou um importante legado para a música popular brasileira.
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Vocabulário
Ilustre personagem: famous/prominent character
Em decorrência disso: consequently; as a result
Quebra e um afundamento no maxilar: breakage and a sinking in the jaw
Gerar problemas: to cause problems, trouble
Purês, mingaus, caldos: purées, porridges, broths
Eu não tenho do que me queixar: I have nothing to complain about
Um carimbo: a stamp
Parto: childbirth; labour
Brincadeiras maliciosas, zombarias: naughty games, mockery
Sentia-se à vontade para conversar: to feel comfortable talking
Apegado ao pai: attached to one’s father
Dedilhando o violão: strumming the guitar
Carioca: quem nasce na cidade do Rio de Janeiro
Magrelo: skinny; lean
Perceber: to realize
Para que ele não saísse de casa: so he wouldn’t leave home
Um trechinho: a little piece
Esta vida não está sopa: esta vida não está fácil
Colocados na contingência de optar: placed in the contingency of choosing
Assoviar: to whistle
Ritmo e cadência: rhythm and pace
Falcatrua: atitude desonesta para enganar alguém (deceit, trick, hoax)
Palacete reluzente: shining little palace
Criados à vontade: servants at large, at will
Com maldade: with malice/biting; with sarcasm
Amargura: bitterness
Do jeito que bem entender: As he pleases; the way he wants
Debochar: to mock
Choro: um gênero de música popular e instrumental brasileira, que surgiu no Rio de Janeiro em meados do século XIX.
Partituras de músicas: sheet music
Noel era uma figura: Noel was a character
Uma escultura feita de bronze em tamanho real ao do sambista: a sculpture made of brass in real size to the sambista’s